domingo, 26 de dezembro de 2010

Semente de tudo, eu vivo a partir de vocês...


Como falar do Natal? De um Natal, nem sei se é possível, são já 30 natais que se vão, e foram tantas pessoas que compartilharam essa data comigo...

Cacei cá comigo algumas lembranças natalinas.

O Natal sempre foi um acontecimento na minha casa, todos nós sempre nos unimos, uma família pequena, éramos sete quando tudo começou, é bem verdade que eu fui filha única por seis anos, até a Cristiane nascer, mas eu não lembro disso, deve ser porque sem a Camila e a Cris minha vida não faz sentido.

Logo cedo éramos acordadas, um cheirinho de assado invadia toda a casa. Comidas eram preparadas sem parar, produção digna de fábrica... Eram duas tortas, feitas primorosamente pelas pequeninas mãos da minha tia, acrescento também que eram inigualáveis; uma ave; uma carne vermelha; um doce; toda sorte de frutas; a famosa farofa fria da minha mãe; maionese; arroz de forno etc. Isso era apenas a ceia, no outro dia, o almoço era outra orgia gastronômica, todos os pratos da ceia e mais uma imensa lasanha, beeeem gorda, como diria minha irmã Camila, que desconhece o significado das palavras diet e light.

Nossa função, como crianças que éramos, era brincar, ou seja, desaparecer até toda a comida ficar pronta... Uma vez que estava tudo pronto, éramos chamadas para tomar banho e era o nosso dia de princesas... Finalmente tinha chegado o dia de usar as roupas e sapatos que namoramos até o Natal. Tudo novinho, cheiro de novo, cores. Era hora de esperar pela meia-noite...

Sentávamos-nos orgulhosas dos nossos cabelos, roupas, sapatos e crentes no aniversário de Cristo, que nos unia todos os anos ali para comemorarmos a data. Em família católica, como a minha, os mais velhos nunca nos deixam esquecer de quem é o aniversariante, único e verdadeiro motivo para estarmos todos ali. Roupas e sapatos novos eram permitidos porque se tratava de uma festa, era hora de agradecer todas as coisas ótimas que tínhamos conseguido ao longo do ano e fazer nossas preces pedindo que em nossa mesa nunca faltasse o pão e que, se possível, todos os nossos sonhos se realizassem...

Depois de comer muito, rezar, era hora de dormir e esperar que Papai Noel depositasse os presentes na janela como todo ano. Eu sempre combinava com as minhas irmãs de ficar acordada para pegarmos o velhinho no flagrante. Separávamos biscoitos para ele comer. Não tinha jeito, era dar uma cochiladinha e lá estavam os presentes. Ele era sempre muito mais rápido que a gente...

O almoço do dia 25 era outra festa, estouro de champagnes, risos, abraços, crianças felizes com os brinquedos novos. Camila e Cristiane em trégua porque era Natal.

A minha avó bebia uma cerveja e champagne, minha tia sempre anunciava que não tomaria seus remédios porque não ia ficar sem brindar no aniversário de Cristo.

Nos abraçávamos, chorávamos, riamos... Enfim, éramos muito felizes...

Prometi para minha avó e minha tia que nunca passaria um Natal sem minhas irmãs, elas me fizeram jurar, isso porque todas as irmãs delas estavam distantes, perderam-se, não sabiam onde cada uma estava. Eu jurei e, neste Natal, me partiu o coração não poder cumprir a promessa, foi a primeira vez que eu não pude abraçar minha irmã Camila na noite de Natal. Problemas da vida moderna...

No Natal, ofereço como conselho as palavras do senhor Baz Luhrmann em seu famoso texto sobre a importância do filtro solar: “Saiba entender seus pais. Você não sabe a falta que você vai sentir deles quando eles forem embora pra valer. Seja agradável com seus irmãos. Eles são seu melhor vínculo com o passado e aqueles que, no futuro, provavelmente nunca deixarão você na mão. Entenda que os amigos vão e vem, mas que há um punhado deles, preciosos, que você tem que guardar com muito carinho”.

Um beijo grande aos amigos queridos, que são poucos, mas eu sei quem são. Um abraço apertado em cada irmã, na minha mãe, no Tony, no novo membro da família, Thiago, seja bem-vindo juntamente com seus filhos lindos. Saudades do meu amor... E meus pensamentos eternamente voltados às pessoas que me fazem lembrar todos os dias que a vida é ótima simplesmente porque eu tenho um teto, o que comer, saúde e gente que me ama, tia e avó...

Amém!


segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O chapéu de batizado


Eu: - Oh mãe... Este sapato não cabe no meu pé, não. Que tamanho é este sapato?

Avó: - Jorgina, este sapato não cabe na menina, de que diabo de tamanho que é?

Mãe: - Eu comprei o número dela, não sei porquê não serve.

Avó: - Você é toda atrapalhada mesmo, nunca vi uma coisa dessas. Você não sabe que pé de criança cresce, não? Ai que pergunta idiota, é claro que você não sabe, você não criou ninguém... Mas é assim, os pés das crianças crescem, se você voltar aqui no fim de semana, o pé da Flávia vai estar maior.

Daí eu já estava ficando com medo, porque ia virar briga...

Eu: - Tá bom gente, eu calço o sapato, nem está tão apertado assim... (Aham, os dedos estavam dormentes com uma hora de uso, eu queria era ter cortado a ponta do sapato)

Todo mundo estava se arrumando, a mulherada produzindo os cabelos.

Eu: - Oh mãe... Você não vai pentear meu cabelo, não? Eu quero fazer um penteado que nem o da Cassiari (madrinha da minha irmã Cristiane).

Mãe: - Flávia, você tem cabelo curtinho, não dá para fazer penteado.

Eu: - Mãe, você me comprou sapato menor que meu pé e não quer pentear meu cabelo? Eu não vou...

Mãe: - Filha, você tem que ir, é o batizado da Tianinha, sua irmãzinha.

Eu: - Mas eu nem fui batizada, por que ela vai ser?

Mãe: - Pára de pergunta, se arruma logo e pronto.

Eu: - Oh mãe, se a Cristiane ficou careca, o que você vai fazer com o cabelo dela? Não dá para colocar nada (um grande mistério da minha infância, como teria minha irmã ficado careca?)

Mãe: - Eu comprei um chapéu para ela, vai lá pegar, a gente vai colocar para ela ir se acostumando...

Eu: - Oh mãe, por que você não comprou um chapéu para mim também, então?

Mãe: - Porque é o batizado da Tiane, o chapéu é caro e quem tem que ficar bonita é ela. No seu, a gente compra um chapéu...

Eu: - Mas até lá eu já vou ter cabelo. Oh mãe, vamos botar uns grampos no meu cabelo?

Ela colocou os grampos e ficou horrível, despinguelou tudo antes de chegar à igreja...

Mãe: - Já colocou o chapéu na sua irmã?

Eu fui lá, com toda a boa vontade do mundo e coloquei o chapéu na Cris, que era Tiane quando era bebê. Depois de alguns minutos olhando para a aba do chapéu na própria cabeça, ela atirou o chapéu branco, que nem um algodão, longe.

Eu peguei o chapéu e coloquei de volta na cabeça dela e ela atirou longe de novo várias vezes... Então...

Eu: - Oh mãe, acho que ela não quer ficar de chapéu, não, e agora?

Mãe: - Flávia, você coloca o chapéu e fica segurando até ela acostumar. (Eu fiz isso, mas ela ficou olhando para cima até eu tirar a mão, e, quando eu tirei, adivinha. Ela jogou o chapéu longe).

Todas as pessoas começaram a discutir que ela tinha que ir de chapéu, que o chapéu tinha sido caro, que sem chapéu não podia, então, eu dei uma solução genial:

- Oh mãe, por que a gente não prende o chapéu com grampo na cabeça dela? (eu achava que grampo era a solução para todos os problemas capilares).

Daí minha mãe perdeu a paciência:

- Oh Flávia, se sua irmã está careca, onde é que eu vou prender o grampo?

Eu: - Ah é né mãe? Eu tinha esquecido...

Fui até a porta da igreja segurando o chapéu na cabeça da Cristiane e ela olhando para cima desconfiada, era só eu tirar a mão e záz... lá se ia o chapéu... Ela não riu nenhuma vez, ela não estava achando graça, não gostou do chapéu e pronto.

Chegando à igreja, eu não ia poder ficar segurando o chapéu até lá no altar, então, assim que soltaram as mãozinhas dela, ela pegou o chapéu e jogou fora no pé do padre. Todos riram muito da primeira vez...

E foi assim o batizado da Cris, eu com dor no pé de morrer e ela com o chapéu que não queria, essa foto aí em cima é dela na porta da igreja. Olha a cara. Veja se isso é cara de quem está feliz. Mas o mais importante, repara na mãozinha, o pai dela está segurando para a foto, e foi assim até começar a festa do batizado. Chegando à casa dos padrinhos da Cris, eu coloquei um chinelo tamanho 40 e poucos, soltei os grampos de uma vez e atiramos o chapéu longe finalmente... ufa!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Roots

- Vó, a professora disse que eu não vou poder vir para a escola até não ter mais piolho.

- Ela disse isso? Mas eu vou deixar você onde? Eu tenho que trabalhar...

- Ela falou que minha cabeça está cheia de piolhos e que isso é nojento, que minha mãe deve ser uma porca, que eu não posso vir para a escola senão vou passar piolho para as outras crianças...

- Ela falou isso? (torcendo o rosto de ódio, ela fazia uma coisa com a boca que deixava todo mundo morrendo de medo, inclusive eu).

- Falou, e não foi só isso, ela pegou um piolho da minha cabeça, me mostrou e falou: “Está vendo isso? Isso é nojento, você não tem mãe, não?” Depois colocou o piolho de volta na minha cabeça.

- Ah... mas ela não fez isso, não! Ela não está louca. Você mostra para vovó quem foi a professora?

- Eu mostro... Foi a Angélica, aquela de cabelo de canecalon... Eu chorei. Todo mundo tem piolho na escola vó, e ela fez isso só comigo.

- Ah... ela fez isso só com você. A gente vai lá falar com ela. Ela vai conhecer sua mãe porca agora.

- Vó, ela é grande... Pelo amor de Deus, ela vai te bater!

- Não se preocupa, a vovó vai só conversar com ela (detalhe, ela saiu me arrastando pelo meio da rua em direção à escolinha).

Chegando à escolinha...

- Aponta para vovó a professora, é aquela ali grandona né?

- É vó, ela mesma!

Minha avó andou em direção à mulher, bateu bem forte com o dedo indicador nas costas dela, que estava batendo papo com as outras professoras no pátio da escola.

- Escuta aqui, você é a professora que tirou um piolho da cabeça da minha neta e botou de volta?

- Não sei do que a senhora está falando. Quem é sua neta?

- Não se faça de idiota, que você sabe muito bem quem é minha neta, ou você tira e coloca piolho em todas as crianças? Eu fiquei sabendo que você fez isso só com a Flávia, eu só queria saber qual o motivo?

- Olha senhora, sua neta está cheia de piolhos, eu não posso permitir que a senhora mande sua neta para a escola essa semana, eu mandei um bilhete explicando (eu e minha avó não sabíamos ler, então, o bilhete não serviu de nada, principalmente depois que minha vó o rasgou e jogou fora).

- Oh minha filha, eu não sei se você reparou, mas quase todas as mães trabalham, ou você acha que eu deixo minha neta aqui 8 horas por dia com uma palhaça que nem você porque eu quero?

- Fica calma senhora, isso acontece, assim que a senhora limpar a cabeça dela, ela volta para a escola.

- Aham, e enquanto isso eu fico sem trabalhar? Você vai pagar as contas? Além do mais eu queria saber uma outra coisinha... Você me chamou de porca?

- Claro que não senhora, imagina...

- Oh Fláviaaaaaaaaaaa!

Eu cheguei apavorada...

- Que foi vó?

- Essa infeliz não falou que sua mãe é uma porca?

- Falou sim...

- Ah... Muito obrigada, era só o que eu queria saber... Pode ir brincar.

- Então dona professora, quer dizer que eu sou uma porca?

- Imagina, eu não ia falar uma coisa dessas...

- Ah, então agora a senhora está dizendo que minha neta é mentirosa, além de porca?

- Não senhora (começando a se afastar da minha avó apavorada).

- Aonde você pensa que vai? Está com medo? Medo de quê?

A mulher deu vários passos para trás apavorada, minha avó andou em direção a ela e grudou no canecalon da mulher até arrancar ele fora...

- Eu vou mostrar para a senhora quem é a porca. Muito valente você, né? Valente com uma criança, agora eu queria só saber onde foi parar toda sua valentia...

Minha avó arrastou a professora pelos cabelos até mim e fez com que ela se desculpasse por ter colocado o piolho de volta na minha cabeça e jurou que se isso voltasse a se repetir, não ia só ser só o canecalon dela que ela ia arrancar, não.

- Eu vou arrancar seus olhos sua lambisgoia. Se você não sabe lidar com criança, vai arrumar outro emprego, e tem mais, amanhã essa menina vem para a escola e você vai aceitar, senão você vai me ver nervosa, porque hoje, você está aí se cagando toda de medo, né? Pois é, e eu nem estou nervosa...

sábado, 27 de novembro de 2010

O desabrochar de uma paixão


- Tia, eu queria te pedir uma coisa... Mas não sei se dá para comprar...

- O que é? Não é roupa da Pakalolo, não né? Já te falei que a gente não é rica, não dá para ficar andando que nem paquita da Xuxa, é caro.

- Não é isso, é outra coisa.

- Sapato? Mas eu te comprei um tênis de couro, e de couro esse teu dedo arrebitado não pode ter furado, não é possível.

- Não, não é nada disso, é outra coisa, a gente nunca comprou isso...

- Então desembucha menina, que diabo você quer comprar?

- Livros...

- A professora pediu de novo? Mas que mulher, é caro, ela tem que pedir todos os livros de que precisa no começo do ano. Isso lá é hora de pedir livro?

- Não. Oh tia, eu é que quero comprar livro para ler, sem ser para a escola, uns que meus professores falam que são legais...

- Ah é? A gente pode ver. Será que é caro? A Vivi e o Rafa (os amigos ricos) têm livros?

- Eu nunca vi eles lendo, não. Só para a escola...

- Será que faz crediário de livro? Porque tem que comprar mais que um né?

- Eu não sei tia. Pergunta para a Dinorah (amiga inteligente, juíza do Tribunal de Justiça na época).

Passou um bom tempo...

- No sábado a gente vai na Saraiva, livraria grande. A Dinorah falou que lá faz crediário e falou que vai te dar uns livros que os sobrinhos não querem mais.

- Tia, eu posso comprar da coleção Vagalume? A vó trouxe um que a amiga dela me deu, eu queria ler os outros.

- Pega lá para eu ver esse livro.

- Este aqui, chama-se “A Ilha Perdida”. Eu fui na biblioteca da escola, lá tem alguns. Eu quero comprar uns que não tem lá.

- A gente pode comprar, esses devem ser baratinhos, é pequeno né?

...

O primeiro livro que li na vida foi “A Ilha Perdida” da Maria José Dupré ou Senhora Leandro Dupré, como era inicialmente conhecida, famosa pelo clássico brasileiro “Éramos Seis”, que até novela virou, também publicado na Coleção Vagalume pela Editora Ática.

Aquele sábado foi um dos dias mais felizes da minha vida, nós compramos uma caixinha com parte da coleção vagalume e minha tia pôde comprar no crediário, como ela queria. Esta foi a primeira compra de livros de muitas que nós viríamos a fazer no crediário da Saraiva.

Hoje, eu tenho uma boa quantidade de livros, uma minibiblioteca com as coisas que preciso para desenvolver bem o meu trabalho e para ser o ser humano que eu gosto de ser.

Este post se deve ao fato de ontem eu ter ido à famosa Feira de Livros da USP, que fica na minha adorada FFLCH, a minha segunda casa, lugar onde eu me encontro. Lugar que me ajudou a me transformar na pessoa que eu sou hoje.

Eu costumo parafrasear uma frase da Clarice Lispector para falar da minha relação com a Universidade de São Paulo. Clarice dizia que, quando ela não escrevia, estava morta. Eu digo a mesma coisa sobre a USP, antes de entrar lá, eu estava morta, eu nasci lá dentro. Cresci como ser humano, descobri uma profissão.

Um dia a professora Aurora Bernardini, em um momento muito triste da minha vida, em que esta tia, tão amada de todas as minhas histórias, faleceu e eu fiquei sem rumo, me disse sobre a possibilidade de trancar a faculdade: “Querida, não faça isso. Acredite, você encontrará nesta universidade um motivo a mais para viver, você se encontrará aqui. Eu vejo que este aqui é o seu lugar. Este lugar mudará a sua vida, da mesma maneira que mudou a minha”.

Eu segui o conselho da professora Aurora e de todos os professores do Departamento de Russo, que tanto me ajudaram a não desistir. Não apenas eles, mas tantos me ajudaram, amigos e principalmente um ex-namorado com um coração imenso que foi a pessoa mais importante, depois da minha avó, neste processo.

Pois é... Os livros se tornaram a maior paixão da minha vida e, por sorte, meu amor, o Rafael, também adora e estava lá, juntinho, para fazer as compras deste ano. Depois da morte da minha tia, esta é a primeira vez que eu tenho uma companhia para esta feira...

Titia querida, obrigada por me apoiar sempre, irrestritamente, mesmo quando não compreendia o motivo das coisas. Inspiração para a minha vida...

*Olha aí em cima a foto das nossas aquisições de ontem, fora os filmes e presentinhos =)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Como reagir a um assalto

Eu devia ter uns 5 anos, estávamos em casa eu, minha tia e minha avó.

Bateram na porta, era tarde da noite, eu acho que era, porque com essa idade passou das 20 horas está tarde.

- Quem está aí?

Ninguém respondeu, então minha avó ficou repetindo a mesma pergunta várias vezes. Nós chegamos à conclusão que deveria ser a Dona Albertina, uma senhorinha surda que era nossa vizinha. Minha tia abriu a porta.

Ao abrir a porta, foi surpreendida por uma arma bem no meio da lata. O cara mandou todo mundo ficar quietinho que era um assalto, eu me escondi bem rapidinho, tomei maior susto ao ver aquela assombração gigante e careca.

Minha avó não teve dúvida, ela estava escondida atrás da porta com uma vassoura, dessas de piaçava, desceu o cacete na careca do ladrão, com toda a força que ela tinha.

O ladrão caiu.

O problema é que ele levantou rapidinho.

- Oh dona, a senhora é doida, é? Não tem medo de morrer, não? Me bater assim na cabeça?

- Ah o senhor está enganado, eu não bati. O senhor é que bateu a cabeça quando entrou (e apontava para o armário bem colado à porta).

O ladrão coçou a cabeça confuso e começou a apontar a arma para ela. A doida enfiou o dedo indicador no cano da arma:

- O senhor abaixa essa coisa, não mostra isso aqui em casa. O Sangue de Jesus tem poder, aqui nesta casa o senhor não vai conseguir fazer mal para ninguém.

O homem ficou enfurecido, mas a minha avó não arredava o pé do lugar, nem o diabo do dedo...

- O senhor não vai levar a TV porque, como o senhor pode ver, a gente é bem pobre, só tem essa. Se o senhor levar a TV, a minha neta não vai mais ter TV para assistir, e essa daí é preto e branco e usada.

- O rádio eu posso levar?

- Pode levar o rádio, não é bom porque minha irmã acorda para trabalhar com ele. Por sua causa ela vai perder a hora amanhã.

- A senhora está achando que eu estou de brincadeira, não está?

- Eu? Imagina, eu sei que o senhor está trabalhando. Mas por que não foi roubar dos ricos e veio roubar este cortiço aqui? A gente não tem nada meu filho.

O ladrão pegou o rádio, um dinheirinho da minha tia e deu boa noite.

- Vai com Deus filho! Vê se toma juízo.

Ao fechar a porta, minha tia estava branca que nem papel, não tinha dado uma palavra durante toda a ação. Minha avó muito calma declarou:

- Mas você é uma pamonha mesmo hein!

Minha tia:

- Você é doida Dina, doida. Você podia ter morrido. Por que você colocou o dedo no revólver do ladrão?

- Que morrido o quê... Deixa de ser besta, deu tudo certo, amanhã a gente compra outro radinho. Pelo menos a menina não ficou sem TV, aliás, cadê a Flávia?

- Fláviaaaaaaaaaa... Sai daí minha filha, a vovó já resolveu tudo, o homem feio já foi...

*Saudade eterna da minha avó valente. Vó te amo!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Matou a avó e foi para a escola

Uma vez eu cheguei à escola, eu estava no ensino médio, que a gente chamava de segundo grau ou colegial naquela época, fui cumprimentar o menino com quem eu ficava o Daniel (o nome é fictício, você vai ver porquê). Quando cumprimentei o Daniel, com o habitual selinho que marcava que estávamos ficando, ou seja, “podem tirar o olho viu suas piriguetes”, umas meninas me puxaram e falaram que precisavam falar comigo, eu não entendi nada.

- Oh Flávia, você é louca?

- Louca? Não entendi?

- Você não vê TV não, porra?

- Vejo sim, mas o que tem a TV com o Daniel?

- Ontem, passou na TV que o Daniel matou a avó dele, deu um tiro na cara da véia, à queima roupa, mostrou foto da casa dele e tudo...

- Ai minha Nossa Senhora. Será? Vocês estão se confundindo, se fosse ele, ele não ia estar aqui agora, estava preso.

Todo mundo começou a se afastar do Daniel, fazendo umas caretas estranhas para ele, de medo mesmo. O Daniel era um rapaz tão bonito, moreno, tipo jambo, olhos verdes, era uma sensação na escola. Eu, muito esperta que sou, fui lá falar com o Daniel.

- Oh Daniel, o pessoal tá falando que você matou sua avó, que gente doida...

- Foi um acidente.

- Ai Jesus glorioso, você matou sua avó mesmo?

Ele fez uma cara de “o que que eu posso fazer?”, mas eu já tinha ralado peito quando ele terminou a frase. Ai gente, vocês não sabem o que é medo na vida, que medo.

A verdade é que este rapaz era um drogado, e a matéria no jornal disse que o Daniel matou a avó por tê-la confundido com um dragão. Disse que ele gritava desesperado: “Sai Dragão!”. A avó estava tentando dar comida para ele.

Sabe como foi possível o Daniel ter ido para escola no dia seguinte?

O pai ficou com peninha do bebê dele, fingiu que nada aconteceu, não deu queixa na polícia, ficou como se fosse um acidente. Deixou que o filho agisse como se nada tivesse acontecido, claro que a vítima era a sogra dele, não a mãe.

Passado algum tempo, o Daniel matou a própria irmã, que era paraplégica, nem tinha como se defender, também dentro de casa, drogado. Parece que dessa vez o pai não curtiu muito não. Deu queixa. Que eu me lembre, o Daniel era menor de idade, de forma que deve estar livre por aí...

Ele pode até estar livre, mas que seja no quinto dos infernos, morando com o papai gente boa dele.

Eu fiquei morrendo de medo de ir para a escola por dias, eu tinha certeza que o doido ia tentar me matar também ou coisa do tipo, a diretora me deixou em casa por uma semana.

Eu só falava: “Pelo amor de Deus, como que o menino me mata a avó e vem para a escola?”.

(Isso aconteceu de verdade em uma escola no bairro da Penha, na Zona Leste de São Paulo)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A primeira aventura de Cristiane


No primeiro dia de aula da minha irmã Cristiane, nós combinamos, ao final da aula, eu iria buscá-la, combinamos também que ela não se afobasse porque eu me atrasaria...

Chegando na porta da escola, onde está a Cristiane?

Em lugar nenhum.

Após procurar muito, resolvi chamar a polícia para me ajudar, eu morava do lado do quartel.

Depois de imaginar as diversas formas que eu seria assassinada pela minha avó se não achasse a Cris, um carro de polícia parou na frente de casa e desceu uma menininha toda molhada de chuva, vestida com uma camiseta de mulher pelada.

- Onde você estava Cristiane?

- Ah, você demorou, eu resolvi vir sozinha.

- Cristiane, mas nós não combinamos que eu ia me atrasar e que era para você me esperar?

- Ah, mas você se atrasou demais, e eu sabia o endereço (balançando o crachá pregado na roupa dela com o endereço de casa).

- Se você sabia a droga do endereço por que raios você foi para o lado contrário?

- (Coçou a cabeça e riu) Ah, eu me enganei, eu achava que era pra lá...

Como você pode imaginar, foi um longo diálogo. Eu fiz ela jurar por Deus que não contaria para a minha avó, nem para a minha tia e que nunca mais teria a brilhante ideia de ir embora sozinha.

Eu fiquei tão feliz de vê-la sã e salva que nem deu para brigar muito.

- Cristiane, por que você está vestida com essa camiseta minha filha?

- Choveu e eu tive que parar no posto de gasolina. Daí, no posto, me deram esta camiseta para eu não me molhar.

A doida estava indo embora que nem um robozinho com rodinhas nos pés, o detalhe é que ela estava indo na direção oposta. Foi muita sorte que choveu, porque o pessoal do posto não deixou ela continuar com a maluquice e chamaram a polícia.

Quase me matou do coração, o bairro todo saiu na caça da Cristiane para mim.

Ela mesma não queria que eu contasse para ninguém, porque se eu contasse aquilo para minha tia ela ia pegar a cinta e sair que nem o Darth Vader com o sabre de luz atrás da gente: uon, uon...

sábado, 6 de novembro de 2010

Cadê os bifes?

Quando eu era pequena, eu morava com a minha avó e com a minha tia, você deve se lembrar dessa história. Mas se você nunca entrou neste blog, é provável que você ainda não soubesse disso, por isso achei melhor contar de novo.

Eu era uma criança que gostava muito de brincar na rua, a minha avó e minha tia tinham que chorar muito no portão pedindo que eu entrasse para tomar banho, para comer, para me arrumar para a aula, enfim, para tudo. A minha avó, ao contrário do que as pessoas pensavam dela, era criatura doce, me gritava 100 vezes no portão com toda paciência. Já minha tia. Ela aparecida no portão, me fazia uma careta e eu entrava correndo apavorada, com medo que ela descesse a cinta em mim.

- Flávia, se você não entrar aqui agora, eu vou te arrebentar.

Viu como minha tia era convincente!

Um dia desses, brincando na rua, minha avó me chamou para jantar, eu demorei um monte, mas fui comer.

Terminada a refeição, minha avó disse: “Você guarda estes bifes para quando sua tia chegar comer também”.

Eu guardei.

Minha tia chegou e minha avó me chamou de novo: “Flávia, eu não tinha pedido para você guardar os bifes? Onde você colocou?”.

Eu fiz uma cara de estranhamento, elas disseram que já tinham procurado em toda parte e nada de bife, eu hein...

Então, eu fui calmamente até o guarda-roupa e retirei a frigideira de lá e entreguei para a minha avó e disse: “Você pediu para eu guardar, eu guardei ué”.

Daí elas me ensinaram que comida se guarda na geladeira.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Aniversário


Eu fiquei pensando cá com meus botões em uma historinha de aniversário, já que o meu foi segunda dia 25 de outubro, signo de escorpião, gênio do cão, como diria minha avó que era de virgem, portanto, não tinha moral nenhuma para falar de gênio ruim.

Eu não tive festa de aniversário quando era criança, minha tia sempre combinava comigo: “Flavinha, você quer uma festa ou um presente, porque não tem dinheiro para os dois?”.

Na verdade, não tinha dinheiro para festa nenhuma, às vezes, nem tinha dinheiro para o presente, mas criança é essa coisa boa né? Qualquer coisinha é um presentão, é uma felicidade.

Aliás, ai que saudade da minha tia, que tinha tantas histórias, a melhor enganadora de criancinha que eu conheci. Às vezes, dava até confusão porque ela queria desmentir a mentira para eu crescer logo e eu não queria não.

Eu não era uma criança muito querida na escola se você quer saber, quem me conhece, principalmente aqueles que estudaram comigo e, sabe-se lá Deus por que, mantiveram-se meus amigos, vão lembrar o motivo lendo este texto. O fato é que eu descia o cacete nas crianças por qualquer coisa que eu não gostasse. Eu era muito brava, violenta até, eu diria. Então você já pode adivinhar, eu era CDF e batia nos outros, difícil gostar disso né?

E foi assim até o Ensino Médio. Eu era uma criança muito feia. Todo mundo lá em casa fica muito triste de lembrar que nossas fotos caíram numa enchente, eu não! Eu acho ótimo, acho pena que não caíram todas, minha mãe salvou algumas para a minha infelicidade.

Não posso dizer se fiquei bonita ou não, mas eu aprendi a me arrumar e o corpão que rebentou do nada ajudou muito a melhorar a minha situação. De repente, os meninos que eu cobria de porrada começaram a me olhar de um jeito diferente, e eu para eles...

No Ensino Médio, eu entrei definitivamente para a turminha dos mais populares da escola e isso fez maravilhas por mim. De monstrinha, eu virei a amiga de todo mundo, eram tantos amigos, tanta gente me solicitando. Não que eu não tivesse amigos, eu tinha, e não eram poucos, os do bairro, Guilhermina Esperança, que eu tanto gostava quando era criança. Mas na escola a coisa não era assim.

Eu era muito religiosa, frequentadora assídua da igreja católica, então eu também tinha uma porção de amigos da igreja. Daí eu tinha amigos a dar com pau, porque eram amigos da igreja, da escola, da academia, do bairro, e os do bairro você nem pode imaginar quantos eram. Teve uma época que eu e minha amigas brincávamos de andar pelas ruas dizendo quem morava em cada casa. Pensa que loucura. A gente ia de um bairro a outro a pé e conhecíamos toda a gente e toda a gente nos conhecia. Minha avó e minha tia não gostavam muito disso não, porque esse povo todo ia lá na porta de casa me chamar a plenos pulmões. Não tinha campainha, mas não adiantava ter, a gente gostava de gritar no portão.

Eu nunca tinha tido uma festinha de aniversário, em lugar nenhum, nunca. Durante toda a infância, eu ia às festas dos meus amigos, mas uma só para mim nunca tinha acontecido. Daí, um belo dia, eu cheguei na escola, nem sabia que o pessoal sabia que era meu aniversário, lá na escola, o Gabriel Ortiz, e tinha uma festa surpresa para mim lá no anfiteatro lindo da escola. Gente, vocês nem podem imaginar o que é felicidade na vida. Era um bolo imenso, imenso...

Claro que sempre tem uma filha do capeta que tem uma ideia muito louca, uma das minhas amigas doidivanas me deu um pinto de chocolate. Claro que a tonta aqui teve que abrir o pacote porque todo mundo queria ver todos os meus presentes, mas, ao contrário dos outros pacotes, este continha um pau imenso de chocolate... Ai que vergonha Jesus, todos os professores estavam presentes... Tiraram foto de mim mordendo o danado, quando eu mordi, o diaxo começou a jorrar um líquido branco ainda por cima...

Acabada a festa na escola, eu tinha uma reunião importante na igreja, o próprio padre tinha me convocado. Chegando lá, outra festa, essa com bexigas, flores, presentes e outro bolo.

Olha gente, lembrando dessa história, as lágrimas me vêm aos olhos, acho que foi um dos dias mais felizes da minha vida. Em casa, eu ganhei presentes da minha avó e da minha tia. Foi um dia maravilhoso, eu nem me lembro da idade, acho que devia ter uns 16.

Estes amigos talvez nem saibam da felicidade que me proporcionaram neste dia, mas, apesar de passado tanto tempo, eu agradeço muito a vocês porque essa, certamente, foi a primeira vez na minha vida que eu senti que fazia parte.

A foto aí em cima foi tirada no meu aniversário deste ano, eu e a minha irmã, Cristiane. Neste ano, eu ganhei o maior e melhor presente de todos, o amor da minha vida.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Esconde-esconde

Eu adorava me esconder. Acho que era uma das minhas brincadeiras favoritas, o esconde-esconde, também adorava as brincadeiras que envolviam correr, acho que no fundo do que eu gostava mesmo era de vencer. Ser sempre a vencedora, nunca aceitava o segundo lugar.

Eu tinha um talento natural para me esconder, ou não tinha juízo mesmo. Outro dia eu vi uma notícia sobre uma menininha que se escondeu na máquina de lavar roupas e o irmãozinho foi até lá e apertou o botão e a irmã morreu, que coisa! Lembrei do dia que eu também me escondi na máquina da mãe da minha amiga, por sorte ninguém apertou botão nenhum. Sabe dessas máquinas que têm a abertura na frente? Era dessas, e a gente nem alcançava os botões direito, graças a Deus!

Em um outro dia, eu me escondi dentro de um bauzinho, também na casa de uma amiga, nós – eu, ela e as primas – estávamos brincando na enorme casa do sítio dela e eu tive a ideia de me esconder no baú de madeira. Eu era bem pequena e magrinha, então entrei no baú e fiquei só ouvindo o burburinho, o pessoal todo atrás de mim. Até que elas desistiram e resolveram chamar as mães porque eu nunca aparecia. Daí eu pensei “eu ganhei, já posso sair”, mas não dava, eu estava presa. Então, eu comecei a gritar desesperadamente e ninguém me ouvia. Depois de muito desespero, a mãe da minha amiga me desencaixou, mas foi um sufoco, elas até me fizeram jurar que nunca mais me esconderia em um lugar como aquele. Me falaram sobre o perigo de eu não sair e ter que ir ao hospital.

Eu jurei que nunca mais ia me esconder num lugar tão apertado. Você pode imaginar quanto tempo durou a promessa né? Eram outros tempos, hoje, se me ameaçam com uma ida ao hospital, eu logo desisto da coisa.

Sem contar que ninguém gostava de brincar de esconde-esconde comigo, então era ótimo quando apareciam umas amiguinhas novas que não sabiam que eu ia me esconder num lugar doido que nem aquele, como as primas da minha amiga.

O meu primeiro esconderijo mirabolante foi uma árvore muito frondosa que tinha na minha rua, eu subia lá e ficava escondida no meio das folhas, mas tinha que ser noite, senão dava para ver. Quando eu fiquei menstruada, minha avó me alertou para o fato de que eu era uma moça, portanto, não podia viver por aí trepando em árvores. Depois vieram guarda-roupas, freezers, geladeiras, lajes etc.


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Piolhos

Desapareci devido ao Festival SWU, que roubou todas as minhas forças.

Refeita retorno.

Eu tenho um pouco de medo de contar essa história porque não sei se ainda podem prender minha mãe pelo que eu vou contar, espero que não. Mas é que lembrei daquele caso do jogador Edmundo, animal, lembra? Sensação do Palmeiras em um passado que parece tão distante agora. Em pensar que eu fiz um comercial de cerveja com o Edmundo há tanto tempo atrás, e nem de cerveja eu gosto até hoje. Então, mas é que lembrei que o Edmundo, no aniversário do filho, deu cerveja a um macaco e foi preso, claro não pode.

Bom, mas acho que não vai dar nada para a minha mãe não, se isso foi crime, já prescreveu faz tempo!

Sabe como são irmãos né? Quando um tem uma doença, ou qualquer coisa que pegue, todos têm junto. Fica todo mundo ruim, às vezes, todos de uma vez, às vezes, um por vez. Como eu não sou mãe ainda, não sei o que é pior. De longe, me parece, que um de cada vez deve ser menos complicado.

Fato é que eu e minhas irmãs, as três, pegamos piolho, todo mundo com o diabo da praga na cabeça, e não havia Cristo que retirasse aquilo dali, sabe por quê?

Porque piolho é uma desgraça, você limpa um filho e ele fica lindo, limpinho, daí vem o danado do outro filho e passa piolho para o limpinho, e assim vai indo. De forma, que não tinha como exterminar a praga de uma vez. Se você tem irmãos de idades próximas à sua, você sabe do que eu estou falando. E não tinha esse remédio chique que agora passam na cabeça de todos os filhos em um único dia e sai tudo, imagina, hoje tem até pílula que você toma e os lazarentos caem durinhos. Pois é, não tinha, os remédios disponíveis não matavam tudinho, só os piolhos, as lêndeas continuavam por lá, prestes a despontarem em piolhos novinhos, repondo rapidinho a cambada assassinada.

Então, em um fim de semana, em casa de minha mãe, ela teve uma ideia, uma ideia dessas brilhantes que mãe jovem sempre tem!

Minha jovem e inexperiente mãe colocou um remédio para barata (está aí uma coisa doida, todo mundo falava remédio para barata, mas não é, não é mesmo? Se fosse remédio, a barata ficava forte e saudável e não morta, né?), desses que vinham em pozinho, nem sei se existe mais isso, mas existia, em nossas cabeças. Amarrou bem forte com um lenço e deixou um tempinho. Isso mesmo, colocou veneno de barata em nossas cabeças para matar os piolhos, oras, raciocínio lógico, se mata barata, claro que ia matar piolhos também. Essa estripulia foi dica de uma amiga mais sabida, que já tinha feito isso e tinha dado certo.

Era para deixar bem pouquinho na cabeça, logo estávamos todas tontas, principalmente a Camila, a mais nova, que era magrinha que nem um gravetinho, imagina, a bichinha ficou ruim rapidinho.

A sandice da minha mãe matou os piolhos mesmo, quase matou a gente também. Mas matou todos os piolhos e lêndeas de todas as filhas de uma só vez.

E aqui não há nenhum julgamento, ainda que possa parecer, pois não cabe a mim questionar aquilo que minha mãe fez. Afinal, quantas das coisas que nossas mães faziam e que hoje dizem que mata? Tudo faz mal, as crianças de hoje não podem nada, são criadas dentro de apartamentos, jogam bolinha de gude no tapete, nunca esfolaram o joelho ou arrancaram o tampão do dedo... Como dizia a minha avó, as crianças de hoje são feitas de merda. Mas mesmo assim, é bem provável que eu crie meu filho dentro do apartamento também.

Por falar da minha avó, mesmo deixando eu fazer muita coisa, ela sabia que veneno mata, então você não pode imaginar a cara e a gritaria dela quando eu cheguei em casa e soltei: “A gente não tem mais piolho, a mãe colocou remédio de barata na nossa cabeça, morreu tudinho!”.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Cristiane, a Minancora e uma declaração de amor


Em algum lugar, eu ouvi dizer que os irmãos são nossos laços eternos com o passado, ou seja, quando ninguém mais lembrar do ser humano que você foi – divertido, animado, cachaceiro, arteiro, e outras tantas qualidades ligadas essencialmente à juventude – os seus irmãos se lembrarão e rirão muito de todas as histórias mirabolantes que vocês compartilham a cada vez que ela for novamente contada.

Contar de novo é sempre uma forma de rememorar, de reviver e, principalmente, de presentificar o passado. Um teórico do pós-modernismo nos diria que vivemos em uma época atemporal e que por isso tudo parece sempre ontem. Talvez tenha razão, mas fato é que viver, como diria a minha querida Clarice Lispector, ultrapassa qualquer entendimento, por isso não cabe aqui grandes explicações e teorizações, o que eu sei é que trazer o passado à baila novamente é um poder ligado aos irmãos.

Então lá vai mais uma historinha.

A Cristiane era pequena, claro que era, porque quem com juízo iria fazer a doidice que vou contar a seguir. Em alguma época da sua vida, você já deve ter visto um parente, ou você mesmo, passando a famosa pomada Minancora nas espinhas. Pois é, esta que vos fala besuntava a cara da dita pomadinha todo dia antes de dormir, ardia que era uma desgraça, mas as danadas das espinhas diminuíam, eu passava só no local daquelas coisas.

Cristiane me pergunta: “Flá, para quê serve passar isso na cara?”

- Serve para tirar as espinhas e deixar a pele mais bonita.

Cristiane: “Hummm...”

Horas depois. Cristiane me aparece branca que nem um fantasma, a cara lotada da pomadinha, que quem conhece sabe, é difícil de remover e arde.

Eu: “Por que você fez isso Cris?”

Cris: “Para ficar com a pele bonita”.

Eu: “É Cris, mas isso derrete a pele, eu passo para derreter minhas espinhas”.

Muitos gritos e choradeira depois, eu retirei a pomada com papel e o rosto dela, como você já deve ter previsto, não derreteu, isso porque a pomada arde, mas não derrete nada não.

A Cris devia ter uns seis ou sete anos quando isso aconteceu, mas esta não é uma das histórias sobre si de que ela goste. O que sabemos é que, após este dia fatídico, Cristiane Joplin nunca mais foi vista perto de uma Minancora.

O rosto dela, como você pode perceber, é perfeito. Aliás, ela é linda por dentro e por fora.

Cristiane é dessas pessoas, como no poema de Maiakóvski:

(...) “Nos demais - eu sei, qualquer um o sabe!

O coração tem domicílio no peito.

Comigo a anatomia ficou louca.

Sou todo coração – em todas as partes palpita. (...)

É tanta sensibilidade, tanto talento, tanto brilho, tanto amor, tanta revolta porque nem todos nasceram como ela que, quando tudo isso palpita de uma vez, parece que ela vai explodir, mas não vai.

Ama Godard, Truffaut, tem ouvido bom para música, é boa leitora, não aceita menos que dez na faculdade e, principalmente, peita o mundo quando alguém tenta dizer que ela não se encaixa. Sim, ela não se encaixa, isso porque ela é melhor que a média e querer compara-se a ela é besteira, ela é diferente de tudo que você já viu, e, com apenas 23 anos, ela é mais brilhante que muita gente com mais décadas de vida, isso porque ela é a combinação da beleza da juventude, com o exótico, com a ingenuidade e a inteligência.

Eu poderia ficar horas falando das qualidades das minhas irmãs, mas, por hora, para resumir o que é a Cristiane, se é que é possível, ela é assim: você levará algum tempo para gostar dela, mas, uma vez que ela tenha te cativado, você levará toda a eternidade tentando esquecê-la.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Até logo

O último post saiu sem graça que só, isso porque foi minha despedida do trabalho naquele dia. Trabalho no qual eu passei cinco anos da minha vida, imagina o quanto eu gosto das pessoas de lá então. Sabe que o gostar é sempre uma troca? As pessoas gostavam de mim, mas isso porque, de verdade, eu adoro muito aquelas pessoas. Gostar é uma doação verdadeira, só dá certo se é real. As pessoas percebem quando não é para valer, quando se está fingindo, daí não dá certo.

Eu tive festa e um lindo presente de despedida, meus amigos queridos, alguns de anos, outros de um tempo mais recente, me deram um adeus cheio de saudade, de sentimentos bons. Eu sei que cada pessoa naquela sala deseja o meu melhor.

Agradeço muito a festa e o carinho de cada um, é muito gratificante poder contar com o amor das pessoas. Poder fazer algo pelos amigos é também algo sensacional, saber que você mudou a vida de alguém, às vezes é só porque você apresentou um escritor, que diz coisas com as quais aquela pessoa se identifica. Às vezes, é porque você se importou em um dia que parecia que ninguém mais se importava. Às vezes, e essa é a melhor das satisfações, é só porque você existe, porque as pessoas se sentem felizes de dividir o seu espaço com você.

A Marlene, uma copeira de quem eu gosto muito, disse que eu farei muita falta por levar alegria onde quer que eu vá. Eu não posso nem pensar nisso que já me dá vontade de chorar, porque é isso mesmo, apesar de ter que deixar meus amigos, eu posso levar essa alegria, a minha dedicação, o meu profissionalismo, os meus saberes a outro lugar, além, é claro, de ter a chance de aprender coisas novas. E os amigos que eu fiz na APCD são para sempre, estes e outros que passaram, creio eu.

Portanto, Tania, Cris, Thiago, Josy, Mauricio, Caio, Malu, Douglas, Marcão, Mariana, Lucia, Karine, Sheila, Priscila, Gustavo, amigos queridos, presentes diários, alegria de toda a manhã e de todas as horas, a emoção não me deixou dizer naquele dia, muito obrigada por tudo.

Obrigada pelo carinho, pelos sorrisos, pelas confidências, pela companhia, dizem que cada pessoa que passa pela nossa vida leva um pouco de nós e deixa um pouco de si. Tenho muita certeza disso, assim como sei que cada pessoa detestável logo é esquecida.

Desejo uma boa vida para todos vocês, que tudo de bom possa acontecer a cada um de vocês, se precisarem de mim, sabem onde me encontrar, mas, se não precisarem, procurem assim mesmo, porque eu adoro muito vocês.

“Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão” (Carlos Drummond de Andrade)

Um beijo e muito bem

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

What a feeling



Fiquei pensando em uma historinha legal para contar, e que fosse mais sobre mim, já que minhas irmãs logo vão ficar bravas com tantas histórias delas.
Desde muito pequena eu gostava de esportes, dança, sempre adorei dançar...
Então, eu fazia balé e jazz (a dança) quando era pequena, eu só tinha roupas vermelhas, muitas mesmo, porque minha avó e minha mãe adoravam vermelho e achavam que eu ficava linda de collant vermelho. Logo, eu tinha muito collants vermelhos, e eu sempre me exercitava em casa, à la Flash Dance.
Eu já havia dito a vocês que cuidava das minhas duas irmãzinhas, pois é, então eu vestia as duas com os meus collants vermelhos e fazia elas fazerem os exercícios junto comigo. Era uma diversão. A Camila era muito pequena, mas não aceitava ficar de fora, colocava o collant, que ficava imenso nela e ficava saltando com seu meio metro de altura. A Cris não gostava muito, mas achava divertida a ginástica em família.
Imaginem duas criancinhas dançando de collants, polainas e, às vezes, faixa na cabeça. E tudo isso tinha hora marcada, sempre por volta de três da tarde. Quando tinha sol, era no quintal, porque com essa idade a gente não tem vergonha de nada, só quer ser feliz, eu levava o rádio para o quintal, ligava na tomada da cozinha, a gente dançava, ria, e, quando estava muito calor, a gente finalizava com um bom banho de tanque, imagina, nós cabíamos, as três, dentro do tanque.

Viver é bom demais, mas quando a gente é criança é muito melhor...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Irmãs

Filho de gente rica é assim, contrata-se uma babá que olhará os pimpolhos para que seus progenitores possam trabalhar.

Filho de gente pobre é assim, o mais velho cuida dos outros menores, e os pais vão para o trabalho torcendo para dar tudo certo.

Eu cuidava das minhas duas irmãs, sou apenas seis anos mais velha que a Cris e sete que a Camila. Eu cuidava das duas gracinhas, que eram terríveis. A Cris porque era silenciosa e sorrateiramente estava sempre aprontando, a Camila porque tinha cara de anjo.

Quando eu olhava para a Camila e perguntava se tinha sido ela que fez qualquer coisa, ela me olhava, sorria e dizia: “Eu não, quando eu cheguei já tava assim, foi a fia”.

A fia era a Cris, isso porque em uma época nebulosa, a Camila passou a chamar a Cris de fia, e não havia Cristo que fizesse ela falar o nome da irmã nem certo, nem errado. Eu dizia: “Camila, o nome da sua irmãzinha é Cristiane, fala bem devagar, Cris-ti-ã-ne”.

Ela me olhava, coçava a cabeça, sorria, apontava para a Cris e dizia: “A fia?”.

Eu dizia: “É, o nome dela é Cristiane”. E ela caía na gargalhada. Eu me lembro da cara e do sorriso como se tivesse sido ontem. A Cris toda linda cuidando dela, dava a mão para atravessar a rua, abraçava a irmãzinha mais nova, e a Camila aproveitava para colocar a culpa de tudo nela. Elas têm pouca diferença de idade, mas a Camila sempre foi a dodóizinha, o xodozinho, todo mundo cuidava dela. Em pensar que dia desses a doida resolveu ir embora lá para as brenhas morar com o namorado, que tinha que morar em Ilha Solteira.

Eu sei que você coçou a cabeça, nunca ouviu falar na cidade, pois é, a vida é assim, tem que aceitar, cárcere privado é crime.

Bons tempos, eu fui muito feliz com os meus dois pacotinhos.

Amo vocês, minhas lindas...

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Camila e o vestido de caipira


Vamos de historinha curtinha, minha irmã Camila era uma criança muito, muito, muito linda...
A popular do colégio, tem cabelo liso, desses que já acordam semipenteado, sabe como é? Uma coisa irritante... Até de olho azul a filha da mãe nasceu, ainda bem que eles mudaram de cor com o tempo, porque senão ninguém ia aguentar a Camila, que já é pouco exibida.
Um dia, era mês de outubro, ela devia ter entre sete e oito anos, acordou e disse assim para mim e para a nossa avó: “Hoje eu vou com o vestido de caipira”.
Eu fiquei atônita: “Como assim Camila? Nós estamos em outubro, não é agora que se usa fantasia de caipira, é só em junho ou julho”.
Não adiantou ela foi para a escola de caipira, e minha avó disse que era “normal”, “deixa a menina Flávia, se ela quer ir para a escola vestida assim, qual é o problema?”. E lá se foi a Camila com o vestido xadrez, sandálias de plástico com meia por baixo, até pintinhas no rosto eu tive que fazer.
Horas depois, ela voltou da escola e declarou: “É Flá, não era para eu ir vestida assim, todo mundo riu de mim”.
Como você pode ver, ela não anda mais por aí vestida de caipira, e a danada continua bonita!

domingo, 19 de setembro de 2010

De casa nova

Um novo blog, agora o www.flaviuska.com, que meu namorado, gentilmente, me deu de presente. Foi dele também a ideia. Para quem não me conhece, meu nome é Flávia, fiz Letras na minha querida Universidade de São Paulo – USP, bem antes disso eu nasci na Zona Leste de São Paulo, com muito orgulho, é nóis! Fui criada por duas pessoas lindas, minha tia e minha avó, que me ensinaram coisas da vida, umas doces, outras um tanto amargas, mas que me mostraram uma direção, o resto era pela minha conta...

Dizia minha avó: “A gente faz o que pode e torce pra dar tudo certo.”

Também tenho duas irmãs, botãozinhos de flor, sempre desabrochando e trazendo alegria para minha vida. A Cris é a coisa mais doce deste mundo, toda sorrisos, gentilezas... é só coração. A Camila é a irmã palhaça, aquela que faz você rir só de lembrar as “abobrinhas” que ela diz quando está presente, e isso desde que era bebê, ela abriu a boca e já saiu por aí distribuindo “groselhas”.

Tem também uma mãe chorooooona, dramaqueen, mas uma fofura de pessoa, sempre às voltas com seus crochês, artesanatos e um tal de patch... sei lá o que. A minha mãe é casada com o Tony, pai de Camila e Cris.

O meu pai, como a maioria de vocês já deve saber, fugiu...

Daí minha mãe casou com o Tony e ele fez as vezes do fujão, mas foi difícil, eu já tinha cinco quando ele apareceu, e, com essa idade, eu já sabia das coisas.

Agora, vamos refazer meu trajeto: nasci na Zona Leste de São Paulo, estudei a vida inteira em escolas públicas das redondezas, trabalhei em muita coisa, conheci muita gente, vou para a balada muito antes de alguém ter inventado essa expressão, a gente ia ao “salão”, até hoje eu sou festeira; meti na cabeça que estudaria na melhor universidade do país, não apenas por ser a melhor, mas porque é grátis, e eu não tinha dinheiro não, afinal, eu não sei se eu já falei, mas meu pai fugiu, o que dificultou um pouquinho as coisas. Então, eu tive que batalhar um pouquinho, você, caro leitor, pode imaginar o quanto, para ir da Penha até a Cidade Universitária, metaforicamente falando, se é que me entende.

O parágrafo anterior dá uma pequena noção de quem sou, mas sabemos que um ser humano é sempre o produto de infinitas influências, e as minha são muitas mesmo, uma mistureba só, você verá.

Você deve ter reparado que algumas palavras estão entre aspas, pois saiba que elas estão aí porque estas são palavras que eu uso no meu dia a dia com um sentido bem diferente da maioria das pessoas. Muita gente sempre diz que eu tenho um vocabulário próprio e que é, muitas vezes, difícil entender as coisas que eu falo, além de serem muito divertidas. Algumas expressões são recorrentes, como “abobrinha”, outras são conhecidas de um público bem pequeno, como “groselha”, que é sinônimo de “abobrinha”.

Meu namorado, assim como outras pessoas, sempre diz para eu começar a contar as histórias da minha infância, para escrever coisas utilizando este meu vocabulário metafórico, digamos assim. Então resolvi começar, este primeiro post é mais uma apresentação que outra coisa, vamos ver se, das próximas vezes, consigo trazer para cá um pouco das minhas influências, fazendo você rir um pouquinho...