quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Ai que fedor!

Em uma sala de aula na Penha, Zona Leste de São Paulo, em algum lugar dos anos 90... Era terceira ou quarta série do ensino fundamental.

- Gente, Davi... Oh Davi... Você está sentindo esse cheiro?

- Eu não estou sentindo cheiro nenhum Flávia...

- Mas não é possível, tá fedendo muito, uma zica do pântano.

Nisso todos os alunos já tapavam seus narizes apavorados e a professora também. Eu tinha uma estranha mania, quando eu queria a palavra, dizer alguma coisa para a turma inteira, eu subia na cadeira, então eu subi e gritei:

- Oh pessoal, quem aí tá cagado? Tá fedendo pra burro. Vocês tão me tirando que isso foi só um peido. Ohhhh professora... Não tem condições da gente ficar aqui não fia, vâmo todo mundo pro pátio, vâmo gente, todo mundo evacuando a sala...

A professora:

- Oh Fláviaaaaaaaa... Senta no seu lugar, desce logo dessa cadeira menina...

A sala inteira já estava gritando e andando de um lado para o outro e a professora gritando, mandando todo mundo ficar sentado. Então, ela desistiu, pediu para todos pegarem seus materiais e aguardarem no corredor, que deviam ter soltado um fedozinho.

- Vâmo Davi, a professora deixou sair, vâmo logo... Ai que saco, você não tá sentindo esse cheiro insuportável? Vai logo...

Só daí eu me dei conta da cor do meu amigo, ele estava branco que nem papel e suava em bicas. Eu me sentava atrás dele, então não tinha percebido nada até o momento, então me aproximei:

- Oh Davi, que está acontecendo? Por que você não sai do lugar?

- Flávia, fui eu.

- Eu o que, meu filho? Levanta daí...

- Eu caguei na calça.

- Ah Davi, não fala um negócio desses. Foi você? O que que a gente vai fazer? Foi muito?

- Foi Flávia, foi muito e você ficou gritando que nem louca, tá todo mundo esperando para ver eu sair daqui todo cagado...

- Ah Davi, eu tenho uma ideia...

Eu fui até a professora e contei a verdade para ela, nós fomos falar com os alunos que estavam no corredor, ela falou:

- Pessoal, vão todos para a biblioteca e me esperem lá, eu já vou.

Então ela olhou para mim e falou:

- O Davi é seu melhor amigo, não é?

- É sim professora.

- Eu vou te dar uma missão muito importante. Como melhor amiga dele, você tem o telefone da casa dele, não tem?

- Tenho sim, eu brinco lá todo dia de tarde até minha avó chegar.

- Ótimo. Liga para a casa dele e pede para virem buscar vocês.

Eu fui até a secretaria e pedi para usar o telefone com urgência, telefonei para a mãe do meu amigo. Contei o que havia acontecido e que o Davi estava colado na cadeira de vergonha, chorando e eu não conseguia tirar ele dali de jeito nenhum. Pouco tempo depois, ela chegou e nos levou embora e na escola nunca ficaram sabendo o que aconteceu de verdade, eu falei para todo mundo que tinha sido um fedozinho mesmo, que eu e a professora achamos...

Depois de tomar banho, porque a coisa estava feia, vocês não podem imaginar, meu melhor amigo disse:

- Flávia, você é a melhor amiga do mundo.

Foi a primeira vez que alguém disse isso para mim.

Devido ao constrangimento que essa historinha pode causar, o nome do meu melhor amigo foi trocado, ele tem um nome bem mais bonito e chiquetoso que Davi... Nós estudamos juntos por cinco anos, fizemos Primeira Comunhão e Crisma juntos. Uma das lembranças mais doces da minha infância são as tardes na casa deste meu amigo. Minhas histórias com ele são intermináveis... Logo eu conto outra!

PS.: Só mais uma coisa. Na escola de vocês chegou essa moda de soltar fedozinho? Se não chegou e você não sabe o que é, fedozinho é tipo uma bombinha de festa junina, tipo um barbante, mas, quando você coloca fogo, ao invés de explodir, solta um fedor paravoroso.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Assalto à mão armada

Quando eu era adolescente, eu tinha permissão para ir à matinê da Toco (saudosa Toco na Vila Matilde, lugar onde, o hoje famoso, Marky deu início à sua carreira de DJ). Eu tinha entre 12 e 13 anos quando comecei a frequentar o lugar, que antes já havia sido frequentado pela minha mãe.

Nós éramos, na época, em 15 amigas, mais ou menos, a programação do domingo era vôlei pela manhã, almoço com a família, no meu caso, essa família variava porque eu gostava de comer na casa das minhas amigas, a minha preferida era a da Dona Cida (que sempre falava para as filhas pegarem uma saladeira para ela fazer meu prato, imagina como eu comia pouco), mãe da Adriana, uma das minhas melhores amigas nesse tempo, e por último, para fechar o dia, Toco, de banho tomado e a melhor roupinha dominical.

Nós passávamos uma na casa da outra, depois do vôlei a gente combinava quem ia chamar quem por proximidade, e chamar era dar um gritão no portão, daqueles que fazia estremecer a família inteira. Era uma diversão aquela mulherada toda de braço dado na rua, e nós éramos folgadas pra caramba, porque andando desse jeito a gente fechava a rua. Bastava alguém olhar atravessado para a gente, que uma das meninas já ia lá tirar satisfação, você pensou: Ela não ia?

Não, eu não ia porque eu não tinha tamanho para isso, aliás, continuo não tendo. A pergunta era invariavelmente:

- E aí, nunca viu?

Quando quem olhava era um menino, daí beleza, mas, no geral, era menina.

Eu tinha duas amigas, sem ser a Vanessa e Vanussa, mas com nomes sonoramente combinantes também, Leticia e Lidiane, que eram bravas, mais bravas, você não pode imaginar, sendo a primeira grande e forte, já até trabalhou de segurança.

Uma vez, na volta da matinê, cada uma voltava com seu ficante, então virava uma confusão achar todo mundo para vir embora, a gente combinava de se encontrar no meio da praça que tinha em frente, tal hora.

Mas então, uma vez, voltando da matinê, um sujeito teve a ideia infeliz de assaltar a mim e a Leticia, porque a gente ia e voltava a pé, e não era assim tão pertinho. O sujeito enfiou o dedo por dentro da blusa de moleton e disse:

- Passa a grana e o tênis, rápido, rápido...

A Leticia olhou bem para ele e perguntou:

- Como é que é? Eu não entendi, você quer me assaltar com um dedo dentro da blusa? Você pensa que eu sou retardada?

- Menina, passa a porra do dinheiro...

Eu era beeeeem menor que a Letícia, magriiiiinha, ele não teve dúvida, foi lá e me deu um safanão, mandou eu passar as coisas logo, já que minha amiga era uma folgada e não tinha medo de morrer.

A Leticia falou:

- Ahhhh! E você vai me matar com o quê? Com o dedo?

Nisso, ela agarrou o dedo do sujeito, por fora da blusa mesmo, e torceu, o cara tentou bater nela, mas ela deu uma surra nele, de certo quebrou o dedo dele, chutou a cara dele, bateu a testa dele contra o joelho dela e, para finalizar, mandou ele me pedir desculpa...

- Desculpa aí mano, desculpa...

- É Mané. Quer ser assaltante? Vai comprar uma arma, mas aprende a usar, senão eu te arrebento igual.

Quem já foi assaltado por um sujeito, que tinha apenas o dedo dentro de um blusão, deve ter gostado dessa história. Se todos eles encontrassem uma Leticia pelo caminho hein... Nem preciso dizer que a minha avó achava a Leticia o máximo depois dessa história, me deixou até ir para o sítio com ela e a família, coisa que eu não podia de jeito nenhum.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Vanessa e Vanussa

Quando eu era adolescente, eu tinha duas amigas inseparáveis na escola, elas eram duas negras muito bonitas, gêmeas aliás, a Vanessa e a Vanussa.

Todas as vezes que eu ia para a escola de sapato branco, elas faziam a seguinte piada:

“E aí Flá, veio pra escola sem sapato?”

Eu respondia: Hein? E elas diziam que era piada que faziam com elas quando elas iam de sapato preto... Virou piada na escola inteira, todo mundo fazia a mesma piada comigo.

As duas jogavam capoeira desde pequenininhas e o pai delas era diretor de escola de samba, o mestre Divino. Você já deve ter imaginado que Vanessa e Vanussa não eram lá muito boazinhas né? Criadas na favela, chegaram à escola com muito sacrifício.

Um dia, chegando à escola, uma menina chegou e falou:

- Oh Flávia, eu vou te socar, sua puta, você catou meu namorado...

Eu fiz cara de “agora fudeu”. Eu nem sabia quem era o namorado da louca, depois vim a saber que era um menino que eu tinha ficado na quermesse na semana anterior. A menina vinha se aproximando de mim, com o dedo apontado para o meu nariz, quando chegaram Vanessa e Vanussa e uma das duas falou, eu não sei mais qual, isso faz tempo e eu só soube qual era qual depois de muito tempo de convivência, a Vanessa tinha uma pinta e era mais brava que a Vanussa, que era mais minha amiga porque a gente era da mesma sala lá no glorioso Gabriel Ortiz:

- E aí fia, cê tá maluca? Vim tirar uma com a nossa amiga. Cê não tem medo?

A menina ficou branca que nem papel:

- Ah eu não sabia que ela era amiga de vocês. Desculpa viu Flávia, eu devo ter me enganado.

Então, cada uma pegou em um braço meu e foram falando:

- Oh Flávia, você para de dar mole por aí porra, você foi ficar com o namorado dessa mina, ela é truta lá da favela, se as amigas dela te pegam, elas te matam. Fica ligeira, não dá sopa...

Essa foi a primeira vez que elas me defenderam, viriam muitas outras. Nós fizemos um trato, elas andariam comigo e, de quebra, me protegeriam se eu ajudasse nos trabalhos e prova, eu só tinha que estudar com elas, passar cola para a Vanussa quando desse, só isso.

E você deve estar pensando assim: Uai, para que raios uma adolescente no ensino médio precisa de proteção? Vou te falar só uma coisa, você não sabe como é a vida na escola pública na ZL, até jurada de morte eu fui, tive que sair pelo portão da diretoria um tempão porque fui qualificada de X9 (dedo-duro) porque falei sei lá o que para a diretora, eu nem lembro mais...

Eu e as meninas nos tornamos amigas, eu, que só ouvia música eletrônica, resolvi ao ensaio da escola de samba do pai delas para ver qual é que era...

Foi uma festa só, eu fui super bem recebida. Como eu não como carne vermelha, a mãe das meninas foi logo avisando...

- Você que é a amiga branquela das meninas né? Você precisa tomar um bronze fia, pelo amor de Deus, assim não dá nem para freqüentar os ensaios, a negada vai ficar toda olhando pra tua cara. Tem outra coisa, você precisa começar a comer carne, para já com essa bobagem, vai por mim, você vai até ganhar uma corzinha se começar a comer boi, vaca, porco... peixe e verdura não tem sustança nega. Mas, por enquanto você ainda continua com essa palhaçada, eu mandei preparar um rango sem carne pra tu, que tu não vai acreditar...

Nisso, essa mãe bonachona, gente fina que você é que não pode imaginar, mandou trazer montes de saladas para mim e um peixe assado, que só Jesus sabe a receita, de tão bom que estava.

O pai das meninas era outra figura:

- Eita, não é que essa menina, branquela desse jeito, samba...

Daí as meninas responderam:

- É pai, mas é porque ela é branquela, mas a vó dela é preta, quase que nem a gente, é só um pouquinho menos queimadinha...

Então o pai falou:

- Ahhhhh então tá explicado, porque é muito difícil branco ter ritmo...

Eu devo ter para lá de 20 histórias com essas pessoas incríveis, que eram minhas amigas de verdade, duas meninas lindas, com bom coração, com uma família maravilhosa, que sempre me recebia com a mesma alegria:

- Gente, vem aqui pra sala que a branquela chegou!