quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Água rosa?

Um dia eu tive uma ideia supimpa, colocar suco de pó na caixa d’água da escola, a caixa do bebedouro. Na hora do intervalo, o pessoal foi beber água no bebedouro da escola e a água só saía pink. Foi bem divertido, todo mundo gostou da novidade, água da cor de groselha, pena que não tinha gosto de groselha também... Mas a diretora não gostou. Não gostou nem um pouco. Não tinha senso de humor essa mulher.

- Flávia querida, você por um acaso sabe quem fez isso?

- Eu? Por que eu haveria de saber?

- Não sei, só queria te perguntar. Eu estou com um pouco de medo, a água está saindo dessa cor e pode ser algum veneno. Você não acha que tem algum veneno?

- Eu não acho... Quem iria querer envenenar os alunos? E como ia entrar na escola e subir na caixa sem ninguém ver? Isso só pode ter sido aluno. E ninguém ia querer envenenar os próprios amigos. É só gozação.

- Nossa, como você é esperta. Estou impressionada. Você tem certeza que não tem nada a ver com isso?

- Claro que eu tenho certeza, certeza absoluta.

- Eu estava pensando em suspender as aulas.

- O que? Não, não pode. A gente tem jogo de vôlei. Se suspender as aulas, nós vamos poder jogar? A gente traz a própria água.

- Não, eu estava pensando em fechar a escola e chamar um especialista para ver esse negócio da água, ver se não tem veneno mesmo.

- Não tem veneno, eu mesma bebi um montão dessa água e tô aqui boazinha. Não precisa suspender coisa nenhuma, não, é só deixar a torneira aberta e esperar a água rosa acabar.

- É muito boa essa sua ideia. Vamos fazer isso. Mas mesmo assim, precisa lavar a caixa e eu não posso deixar os alunos sem água para beber.

- A senhora complica tudo, não precisa lavar coisa nenhuma, isso é só Ki-Suco, já viu alguém morrer porque tomou Ki-Suco?

- Ahhhh... então é Ki-Suco? E como a senhorita sabe?

- Porque eu já vi fazerem isso lá na outra escola que eu estudei.

- E, lá na outra escola que você estudou, você também não teve nada a ver com a história?

- Claro que não, que ideia! Pra quê que eu ia querer tingir a água de rosa? Mas que ficou legal, ficou, achei divertido. Principalmente a cara da tia Rita, ela quase morreu do coração...

- Não tem graça nenhuma Flávia. Mas dessa vez vai passar porque eu não posso provar que foi você, apesar de ter certeza.

- Imagina, não fui eu, não. Mas pode deixar que eu tô de olho, se eu vir alguém perto da caixa d’água do bebedouro, eu falo pra senhora...

- Então tá bom dona Flávia, estamos combinadas.

- Ahhh. Só mais uma coisa, vai ter aula normal né? Porque se cancelar o jogo a gente perde por WO...
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sexta-feira, 10 de junho de 2011

Parabéns, hoje é o seu dia, que dia mais feliz!

Quando estávamos esperando ela, eu não sabia o que ia ser, podia ser um menino, eu queria qualquer coisa, na minha cabeça, eu ia ganhar uma boneca novinha em folha, porque eu tinha a Cris, mas eu não conseguia tirar ela do lugar, eu não tinha força, era um nenenzão, desses de fazer gosto. Eu falava para o pessoal:

- Gente, coloca o nenê aqui no meu colo...

Daí vinha alguém e colocava a Cris no meu colo, mas eu não aguentava, eu era bem magrinha, então quando eu não conseguia mais, eu pedia:

- Gente, vem tirar o nenê que a minha perna dormiu...

Mas aí nasceu a Camila, e ela era bem menorzinha que a Cris, acredite se puder... Hoje, a Camila é tão maior que ela que é difícil acreditar.

A Camila eu conseguia carregar por aí, era uma diversão ter duas bonecas de carne e osso.

Quando a Camila ficou maior, ela não era não era nem um pouco boazinha:

- Camila, dá um beijinho aqui.

Quando você oferecia a bochecha, ela fazia bico para o beijo e tudo, você chegava pertinho e ela metia o dente. Imagina a confusão que era quando estranhos pediam um beijo. Eles viam aquela nenê toda bonitinha com seu cabelo de princesa, já queriam agarrar, mas ela não gostava nem um pouco disso.

Um pouquinho maior, arrumaram uma baba para ela. Coitada da moça, a Camila a queimou com o ferro de passar roupa e também a trancou para fora de casa, quando perguntaram o motivo, ela disse:

- Ela é muito é chata.

Um dia, ela foi para a escola com a Cris, que naquela época era “Fia” para ela. A Camila inventou esse apelido para a Cris. Chegando à escola, não gostou nada, nada de ficar sabendo que iria ficar em uma sala diferente da “Fia”. Não teve dúvida, se mudou para a classe da irmã. Dirirgiu-se à sala da Cris e sentou-se calmamente na mesma cadeira, para desespero da irmã...

Ela cresceu e aprontou de tudo um pouco, foi jurada de morte na escola, xingou a professora, deixou a carteirinha da faculdade cair na escada rolante logo no primeiro dia de aula. Resolveu ser professora, ironia...

Agora ela acha o máximo a deusa Clarice Lispector, gosta de Lenine, de Melissa, de coxinha, de festa de criança, de beber cerveja, de almoço em família, de ser bonita e de dar risada.

Lá se vão 23 anos desde que eu segurei o pequeno bebê pela primeira vez. Parece que foi ontem, eu lembro até do cheirinho e do leitinho que ela pedia todo dia de manhã. Aliás, continua pedindo. Dia desses, veio dormir aqui em casa e falou para o meu namorido:

- Rafa, tem leite?

Parabéns querida irmã, saudades das risadas, dos abraços, das comilanças, da ginástica de maiô vermelho, da brincadeira do rio... Lembranças inesquecíveis...

A certeza que eu tenho é de que ainda há muito a se viver, muito a compartilhar, uma história para construir e dividir com as minhas irmãs... Este mundo e a vida valem a pena, em parte, porque vocês estão neles.

“Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.Essa frase da Clarice define bem quem você é, ainda que nem sempre eu concorde com todas as suas decisões, você pode sempre contar comigo, porque eu sempre vou entender que o que você quer e está procurando fazer é VIVER...

O nosso tempo é muito curto para nos preocuparmos com a mediocridade e hipocrisia das pessoas e do mundo, conservemos e sejamos bondosos só com aqueles que valem à pena. Quanto aos outros, o tempo os varrerá de nossas vidas...

Quando eu olhar para o lado, eu quero estar cercada só do que me interessa... (Lenine)

Te amo!






segunda-feira, 25 de abril de 2011

O nome dele é Pirulito?

- Oh Flávia, tem um menino aí na porta te chamando que falou que o nome dele é Pirulito?

- Aham, o Pirulito é o menino que quer namorar comigo que eu te falei, lembra?

- Mas o nome dele não é Pirulito, né?

- Não, vó, o nome dele é Adaílton, pirulito é o apelido porque ele é grande demais, mas ele gosta do apelido porque o nome dele é horroroso...

- Esse é aquele que os pais são testemunha de Jeová?

- Ele mesmo...

- De onde vocês se conhecem?

- Da Toco, ele era namorado da Claudia.

- E ela não está triste de você querer namorar o namorado dela?

- Ué vó, o que é que eu posso fazer? Ele não quer mais namorar ela e quer namorar comigo. Além disso, você foi lá olhar para ele?

- Eu nem reparei...

- Pois é vó, ele é mulato de olho verde, alto e forte.

- Mas e aquele Emerson, que era moreno de olho azul?

- Ah vó, isso aí foi semana passada, eu não namoro mais com o Emerson, ele me atrapalhava, ia pra balada e ficava fazendo careta para os meus amigos, o pessoal não gostava dele, não.

- Mas ele veio aqui ontem, achei que ainda era o namorado.

- Ah vó, eu esqueci de avisar para ele que a gente não está mais namorando... Eu vou lá hoje à noite. Que saco, eu achei que ele ia perceber sozinho...

- Oh Flávia, você deixa de ser biscatinha hein! Isso não é de Deus. Minha filha, onde você vai parar? Imagina se o padre sabe de uma barbaridade dessas, ele te excomunga.

- Excomunga nada vó, é besteira, amanhã eu me confesso e fica tudo bem.

- Menina, e o tal Pirulito? Está lá no portão esperando, vai mandar ele entrar...

- Vó, é bom para ele ficar esperando, assim ele me valoriza. Imagina, a Claudia não vai mais olhar na minha cara, ela é uma das minhas melhores amiga, tem que valer a pena.

- Eu mesma vou mandar ele entrar, onde já se viu uma coisa dessas? Parece que não te deram educação menina.

- (Minha avó) Adaílton, você quer entrar? Eu sou a Dona Dina, vó da Flávia, ela tá terminando de se arrumar.

- (Pirulito) Pode me chamar de Pirulito dona...

- Ah menino, veja lá se eu sou suas paricera, vou chamar ninguém de Pirulito, isso lá é nome?

quarta-feira, 30 de março de 2011

Eu tenho uma ideia!

- Oh Davi, eu tenho uma ideia.

- Qual ideia?

- Vamos pintar seu quarto de azul com o resto da tinta da obra?

- Vamos, nossa vai ficar tão legal, vai parecer que eu estou dormindo dentro da piscina.

- Então vâmo aproveitar que seu pai está dormindo. Só tem um problema. Como é que a gente vai tirar os móveis do lugar para pintar?

- Não precisa Flá, a gente pinta envolta, ninguém vai tirar os móveis do lugar para ver atrás...

- Ah então tá bom!

Horas depois, a mãe do Davi chegou do trabalho.

- Oh Walterrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr!

- O que é que foi amor? Por que toda essa gritaria?

Neste momento, ele deu de cara comigo e o Davi.

- Ai minha Nossa Senhora. Por que vocês estão azuis?

- Eu não quero nem saber Walter, eu quero que você deixe essas crianças branquinhas. Eu falei para você olhar as crianças, não era para dormir, não.

- Oh gente, como é que vocês fazem uma coisa dessas comigo. Como eu vou tirar essa tinta toda de vocês? O que vocês fizeram com a tinta?

(Eu e o Davi em coro) - A gente pintou o quarto de azul.

(Eu) - É tio, ficou muito lindo, e não sujou muito não.

- Davi, você não tinha um boné, meu filho? Teu cabelo tá todo azul, sua mãe vai me matar (a mãe do Davi adorava o cabelo dele).

Duas horas de banho depois...

- Oh Walter, eu já te falei, eu quero meu filho loiro, como ele sempre foi, eu não quero essa criança de cabelo azul aqui.

- Se não sair, a gente corta o cabelo do menino, não tem problema. Ele é menino mesmo.

- Ai Walter, se esse menino continuar azul, você vai ver o que é que eu vou cortar.

É gente, a infância na ZL foi tensa. Não teve jeito, tiveram que cortar o cabelo do Davi, mas com o tio ficou tudo bem, acho que a tia não cortou nada dele não.

Eu fiquei um pouco chateada porque, depois de toda aquela trabalheira, eu fiquei de castigo sem poder ir à casa do Davi e eles pintaram o quarto de amarelo vômito de novo.

segunda-feira, 14 de março de 2011

A USP

- É o que essa faculdade aí que você vai fazer? Serve pra quê fazer Letras?

- Serve para ser professora, para fazer tradução, para revisar textos de pessoas que não sabem escrever. Sabe? Consertar o que o povo escreve errado?

- Eita, então tu vai ter serviço demais, porque o que mais tem no mundo é gente que não sabe escrever. Tu vai ensinar a ler também?

- Vou sim, eu vou ser professora de português se eu quiser...

- Olha só, que bonito isso hein, eu não sei nem escrever e você vai ser professora... Eu faço muito gosto que você faça essa tal de Letras então, na USPili então, mais ainda.

- Não é uspili, vó. É USP.

- Ah, mas não tem problema, o importante é que não paga e é a melhor do Brasil. As amigas metidas da tua tia disseram aqui outro dia. Disseram que é muito bonito estudar lá. Como é que faz para ir parar lá nesse lugar? Deve de ser muito concorrido, um negócio que é de graça e ainda é a melhor que tem. Nem sei como isso é possível porque tudo que o governo oferece é uma bela de uma merda. O hospital, a escola, nada disso presta...

- Então, vó, eu tenho que estudar o ano inteiro, e, no final do ano, eu faço uma prova, que nem um concurso. São umas 150 mil pessoas para 9 mil vagas...

- Ave Maria, é gente que não acaba mais, credo em cruz! Vai ter que estudar então hein... O que você precisar de mim eu ajudo, pode contar comigo. Eu não conheço ninguém que estudou lá nesse lugar, nunca nem fui praqueles lados, mas se você está dizendo que vai passar. Veja só que grande porcaria, nem para isso a escola do governo serve, só serve pra diploma né? Porque sem diploma não pode fazer faculdade, não é mesmo?

- É sim, vó. Sem diploma, não pode.

- Ah minha neta, que Deus te abençoe então, você vai ser muito feliz na sua vida porque Deus te deu miolos, você tem juízo. Só tem que prestar atenção nesse negócio de namorado, senão embucha e já viu, não vai pra uspili nenhuma.

- Pode deixar vó, eu não vou embuchar...

- Só mais uma coisa. Que diabos é tradução, hein? Essa parte eu não entendi?

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Ai que fedor!

Em uma sala de aula na Penha, Zona Leste de São Paulo, em algum lugar dos anos 90... Era terceira ou quarta série do ensino fundamental.

- Gente, Davi... Oh Davi... Você está sentindo esse cheiro?

- Eu não estou sentindo cheiro nenhum Flávia...

- Mas não é possível, tá fedendo muito, uma zica do pântano.

Nisso todos os alunos já tapavam seus narizes apavorados e a professora também. Eu tinha uma estranha mania, quando eu queria a palavra, dizer alguma coisa para a turma inteira, eu subia na cadeira, então eu subi e gritei:

- Oh pessoal, quem aí tá cagado? Tá fedendo pra burro. Vocês tão me tirando que isso foi só um peido. Ohhhh professora... Não tem condições da gente ficar aqui não fia, vâmo todo mundo pro pátio, vâmo gente, todo mundo evacuando a sala...

A professora:

- Oh Fláviaaaaaaaa... Senta no seu lugar, desce logo dessa cadeira menina...

A sala inteira já estava gritando e andando de um lado para o outro e a professora gritando, mandando todo mundo ficar sentado. Então, ela desistiu, pediu para todos pegarem seus materiais e aguardarem no corredor, que deviam ter soltado um fedozinho.

- Vâmo Davi, a professora deixou sair, vâmo logo... Ai que saco, você não tá sentindo esse cheiro insuportável? Vai logo...

Só daí eu me dei conta da cor do meu amigo, ele estava branco que nem papel e suava em bicas. Eu me sentava atrás dele, então não tinha percebido nada até o momento, então me aproximei:

- Oh Davi, que está acontecendo? Por que você não sai do lugar?

- Flávia, fui eu.

- Eu o que, meu filho? Levanta daí...

- Eu caguei na calça.

- Ah Davi, não fala um negócio desses. Foi você? O que que a gente vai fazer? Foi muito?

- Foi Flávia, foi muito e você ficou gritando que nem louca, tá todo mundo esperando para ver eu sair daqui todo cagado...

- Ah Davi, eu tenho uma ideia...

Eu fui até a professora e contei a verdade para ela, nós fomos falar com os alunos que estavam no corredor, ela falou:

- Pessoal, vão todos para a biblioteca e me esperem lá, eu já vou.

Então ela olhou para mim e falou:

- O Davi é seu melhor amigo, não é?

- É sim professora.

- Eu vou te dar uma missão muito importante. Como melhor amiga dele, você tem o telefone da casa dele, não tem?

- Tenho sim, eu brinco lá todo dia de tarde até minha avó chegar.

- Ótimo. Liga para a casa dele e pede para virem buscar vocês.

Eu fui até a secretaria e pedi para usar o telefone com urgência, telefonei para a mãe do meu amigo. Contei o que havia acontecido e que o Davi estava colado na cadeira de vergonha, chorando e eu não conseguia tirar ele dali de jeito nenhum. Pouco tempo depois, ela chegou e nos levou embora e na escola nunca ficaram sabendo o que aconteceu de verdade, eu falei para todo mundo que tinha sido um fedozinho mesmo, que eu e a professora achamos...

Depois de tomar banho, porque a coisa estava feia, vocês não podem imaginar, meu melhor amigo disse:

- Flávia, você é a melhor amiga do mundo.

Foi a primeira vez que alguém disse isso para mim.

Devido ao constrangimento que essa historinha pode causar, o nome do meu melhor amigo foi trocado, ele tem um nome bem mais bonito e chiquetoso que Davi... Nós estudamos juntos por cinco anos, fizemos Primeira Comunhão e Crisma juntos. Uma das lembranças mais doces da minha infância são as tardes na casa deste meu amigo. Minhas histórias com ele são intermináveis... Logo eu conto outra!

PS.: Só mais uma coisa. Na escola de vocês chegou essa moda de soltar fedozinho? Se não chegou e você não sabe o que é, fedozinho é tipo uma bombinha de festa junina, tipo um barbante, mas, quando você coloca fogo, ao invés de explodir, solta um fedor paravoroso.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Assalto à mão armada

Quando eu era adolescente, eu tinha permissão para ir à matinê da Toco (saudosa Toco na Vila Matilde, lugar onde, o hoje famoso, Marky deu início à sua carreira de DJ). Eu tinha entre 12 e 13 anos quando comecei a frequentar o lugar, que antes já havia sido frequentado pela minha mãe.

Nós éramos, na época, em 15 amigas, mais ou menos, a programação do domingo era vôlei pela manhã, almoço com a família, no meu caso, essa família variava porque eu gostava de comer na casa das minhas amigas, a minha preferida era a da Dona Cida (que sempre falava para as filhas pegarem uma saladeira para ela fazer meu prato, imagina como eu comia pouco), mãe da Adriana, uma das minhas melhores amigas nesse tempo, e por último, para fechar o dia, Toco, de banho tomado e a melhor roupinha dominical.

Nós passávamos uma na casa da outra, depois do vôlei a gente combinava quem ia chamar quem por proximidade, e chamar era dar um gritão no portão, daqueles que fazia estremecer a família inteira. Era uma diversão aquela mulherada toda de braço dado na rua, e nós éramos folgadas pra caramba, porque andando desse jeito a gente fechava a rua. Bastava alguém olhar atravessado para a gente, que uma das meninas já ia lá tirar satisfação, você pensou: Ela não ia?

Não, eu não ia porque eu não tinha tamanho para isso, aliás, continuo não tendo. A pergunta era invariavelmente:

- E aí, nunca viu?

Quando quem olhava era um menino, daí beleza, mas, no geral, era menina.

Eu tinha duas amigas, sem ser a Vanessa e Vanussa, mas com nomes sonoramente combinantes também, Leticia e Lidiane, que eram bravas, mais bravas, você não pode imaginar, sendo a primeira grande e forte, já até trabalhou de segurança.

Uma vez, na volta da matinê, cada uma voltava com seu ficante, então virava uma confusão achar todo mundo para vir embora, a gente combinava de se encontrar no meio da praça que tinha em frente, tal hora.

Mas então, uma vez, voltando da matinê, um sujeito teve a ideia infeliz de assaltar a mim e a Leticia, porque a gente ia e voltava a pé, e não era assim tão pertinho. O sujeito enfiou o dedo por dentro da blusa de moleton e disse:

- Passa a grana e o tênis, rápido, rápido...

A Leticia olhou bem para ele e perguntou:

- Como é que é? Eu não entendi, você quer me assaltar com um dedo dentro da blusa? Você pensa que eu sou retardada?

- Menina, passa a porra do dinheiro...

Eu era beeeeem menor que a Letícia, magriiiiinha, ele não teve dúvida, foi lá e me deu um safanão, mandou eu passar as coisas logo, já que minha amiga era uma folgada e não tinha medo de morrer.

A Leticia falou:

- Ahhhh! E você vai me matar com o quê? Com o dedo?

Nisso, ela agarrou o dedo do sujeito, por fora da blusa mesmo, e torceu, o cara tentou bater nela, mas ela deu uma surra nele, de certo quebrou o dedo dele, chutou a cara dele, bateu a testa dele contra o joelho dela e, para finalizar, mandou ele me pedir desculpa...

- Desculpa aí mano, desculpa...

- É Mané. Quer ser assaltante? Vai comprar uma arma, mas aprende a usar, senão eu te arrebento igual.

Quem já foi assaltado por um sujeito, que tinha apenas o dedo dentro de um blusão, deve ter gostado dessa história. Se todos eles encontrassem uma Leticia pelo caminho hein... Nem preciso dizer que a minha avó achava a Leticia o máximo depois dessa história, me deixou até ir para o sítio com ela e a família, coisa que eu não podia de jeito nenhum.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Vanessa e Vanussa

Quando eu era adolescente, eu tinha duas amigas inseparáveis na escola, elas eram duas negras muito bonitas, gêmeas aliás, a Vanessa e a Vanussa.

Todas as vezes que eu ia para a escola de sapato branco, elas faziam a seguinte piada:

“E aí Flá, veio pra escola sem sapato?”

Eu respondia: Hein? E elas diziam que era piada que faziam com elas quando elas iam de sapato preto... Virou piada na escola inteira, todo mundo fazia a mesma piada comigo.

As duas jogavam capoeira desde pequenininhas e o pai delas era diretor de escola de samba, o mestre Divino. Você já deve ter imaginado que Vanessa e Vanussa não eram lá muito boazinhas né? Criadas na favela, chegaram à escola com muito sacrifício.

Um dia, chegando à escola, uma menina chegou e falou:

- Oh Flávia, eu vou te socar, sua puta, você catou meu namorado...

Eu fiz cara de “agora fudeu”. Eu nem sabia quem era o namorado da louca, depois vim a saber que era um menino que eu tinha ficado na quermesse na semana anterior. A menina vinha se aproximando de mim, com o dedo apontado para o meu nariz, quando chegaram Vanessa e Vanussa e uma das duas falou, eu não sei mais qual, isso faz tempo e eu só soube qual era qual depois de muito tempo de convivência, a Vanessa tinha uma pinta e era mais brava que a Vanussa, que era mais minha amiga porque a gente era da mesma sala lá no glorioso Gabriel Ortiz:

- E aí fia, cê tá maluca? Vim tirar uma com a nossa amiga. Cê não tem medo?

A menina ficou branca que nem papel:

- Ah eu não sabia que ela era amiga de vocês. Desculpa viu Flávia, eu devo ter me enganado.

Então, cada uma pegou em um braço meu e foram falando:

- Oh Flávia, você para de dar mole por aí porra, você foi ficar com o namorado dessa mina, ela é truta lá da favela, se as amigas dela te pegam, elas te matam. Fica ligeira, não dá sopa...

Essa foi a primeira vez que elas me defenderam, viriam muitas outras. Nós fizemos um trato, elas andariam comigo e, de quebra, me protegeriam se eu ajudasse nos trabalhos e prova, eu só tinha que estudar com elas, passar cola para a Vanussa quando desse, só isso.

E você deve estar pensando assim: Uai, para que raios uma adolescente no ensino médio precisa de proteção? Vou te falar só uma coisa, você não sabe como é a vida na escola pública na ZL, até jurada de morte eu fui, tive que sair pelo portão da diretoria um tempão porque fui qualificada de X9 (dedo-duro) porque falei sei lá o que para a diretora, eu nem lembro mais...

Eu e as meninas nos tornamos amigas, eu, que só ouvia música eletrônica, resolvi ao ensaio da escola de samba do pai delas para ver qual é que era...

Foi uma festa só, eu fui super bem recebida. Como eu não como carne vermelha, a mãe das meninas foi logo avisando...

- Você que é a amiga branquela das meninas né? Você precisa tomar um bronze fia, pelo amor de Deus, assim não dá nem para freqüentar os ensaios, a negada vai ficar toda olhando pra tua cara. Tem outra coisa, você precisa começar a comer carne, para já com essa bobagem, vai por mim, você vai até ganhar uma corzinha se começar a comer boi, vaca, porco... peixe e verdura não tem sustança nega. Mas, por enquanto você ainda continua com essa palhaçada, eu mandei preparar um rango sem carne pra tu, que tu não vai acreditar...

Nisso, essa mãe bonachona, gente fina que você é que não pode imaginar, mandou trazer montes de saladas para mim e um peixe assado, que só Jesus sabe a receita, de tão bom que estava.

O pai das meninas era outra figura:

- Eita, não é que essa menina, branquela desse jeito, samba...

Daí as meninas responderam:

- É pai, mas é porque ela é branquela, mas a vó dela é preta, quase que nem a gente, é só um pouquinho menos queimadinha...

Então o pai falou:

- Ahhhhh então tá explicado, porque é muito difícil branco ter ritmo...

Eu devo ter para lá de 20 histórias com essas pessoas incríveis, que eram minhas amigas de verdade, duas meninas lindas, com bom coração, com uma família maravilhosa, que sempre me recebia com a mesma alegria:

- Gente, vem aqui pra sala que a branquela chegou!

sábado, 29 de janeiro de 2011

Camila

Uma historinha bem curtinha... Minha outra irmã, Camila, está na cidade, então uma lembrança muito linda me veio nestes dias.

Uma vez eu queria andar de patins, mas eu tinha muito medo de cair e quebrar os dentes, como minha avó dizia que ia acontecer, então a Camila se colocou de perninhas abertas, bem esticadas e disse:

- Pode vir Flá! Vem que a gente seguramos.

A gente era ela e a Cris, quatro e cinco anos. Claro que eu e minha tia caímos na risada, aquele cotoquinho de gente achando que segurava alguém.

Ela não podia, mas queria, de verdade, me segurar. É isso que importa.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O arco-irís

- Vóóóóóóóóóóóóóóó...

- Que foi menina? Tá maluca?

- Vem ver o arco-íris, vem ver vó que lindo...

- Vem já pra dentro menina, deixa esse arco-íris aí.

- Oh vó, eu não vou entrar, eu vou ficar aqui, eu não podia brincar porque estava chovendo. Agora, por que eu não posso brincar, a chuva já passou?

- Ai que menina teimosa da minha vida, malcriada, me obedece e vem pra dentro.

Meio a contragosto eu entrei.

- Flávia, eu não quero você na rua quando tiver arco-irís...

- Oxente, quem já viu uma doidice dessas, o que é que tem o arco-irís?

- É perigoso, eu sou adulta, eu que sei.

- Vó, eu nunca vi ninguém ter medo do arco-irís, já vi ter medo de raio, de trovão, que faz barulho. Lembra da minha amiga Renatinha que desmaiou achando que o trovão foi a loura do banheiro, em plena sala de aula? Mas arco-irís, essa eu nunca vi. Quando minha tia chegar eu vou perguntar pra ela por que diabos você tem medo de arco-irís.

- Ah menina, eu não quero que você pergunte nada pra sua tia, você acha que ela sabe mais que eu?

Outro dia na rua... Tinha acabado de estiar, minha avó entra na bomboniere do Faustão, eu não achei ruim, fiquei lá comendo a bomboniere toda enquanto minha avó conversava com ele.

- Oh vó, vâmo embora, vai começar a Xuxa (passava à tarde no canal Manchete, veja você quantos anos faz isso. A Xuxa agora é uma senhora, o canal nem existe mais e essa TV era preto e branco e tinha que esperar “esquentar” para funcionar).

- Espera um pouco...

- Não vó, vai começar, eu vou perder. Ahhhhhh eu já sei, você tá com medo do arco-irís... Oh Faustão (apelido carinhoso que eu dei para o dono da bomboniere, pensa que loucura, agora o Faustão é magro), você sabia que minha avó tem medo de arco-irís?

Minha avó não era mulher de ter medo de nada, foi só eu dizer isso que ela pagou o Faustão e saiu me arrastando pelo braço.

- Oh menina linguaruda. Quem mandou você contar pro Faustão isso? É segredo, segredo entendeu? Você tem que me jurar que não vai contar pra ninguém... A vovó é sua amiga, você não sabe que não pode sair falando dos medos dos outros por aí? É feio, já pensou se eu conto para as pessoas que você tem medo de espírito? Todo mundo vai rir de você...

- Oh vó, mas espíritos existem, eles aparecem no escuro, mas no arco-irís não tem nada...

- Claro que tem, é só você achar o final dele...

- Hein? Dkj#ahalh... O que tem o final dele?

- Não interessa e você não vai lá ver porque eu não vou deixar.

Entramos em outra lojinha para esperar o arco-irís sumir e eu perdi a Xuxa... Hunf!

(saudades eternas da vovó)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Superstições de ano novo




Eu sempre gostei mais de ano novo do que de natal, mas a verdade é que é tanta superstição para cumprir que, quando chega mesmo a hora, eu já estou cansada demais...

Vamos lá para a lista:

1. Não pode, em hipótese alguma, estar vestida com outra cor que não branco;

2. A calcinha tem que ser amarela porque eu não vou ser rica mesmo, eu fiz letras, só para lembrar, então é melhor desejar dinheiro todo ano;

3. Tem que estar com uma coisa emprestada, uma coisa azul e o branco, que eu já tinha dito. Neste ano, ainda que minha irmã Cristiane, que faz aniversário no ano novo, completou 24 primaveras, não saiba, eu botei o anel de pedra turquesa dela e ela estava com a minha bata, então a gente se emprestou coisas, é assim desde pequena. Ano passado eu peguei emprestada a melissa da Camila, que era branca;

4. Tem que comer lentilha, sete colheradas;

5. Tem que comer sete uvas;

6. É imprescindível entrar no novo ano com o pé direito, então, há que se retirar o esquerdo do chão, fico assim que nem saci;

7. No primeiro dia do ano, eu faço tudo que quero que se repita todos os dias do ano, coisas boas, é claro. Então tem que fazer sexo, tem que comer muuuuito bem, agora eu estou falando de comida mesmo hein! Tipo o gnocchi do Roperto, restaurante na tradicional rua 13 de maio no qual almoçamos, ler, assistir filmes;

8. Não pode comer bicho que cisca, ou seja, aves. Porque ave cisca para trás, e o que ficou para trás, ficou. Eu não como o porquinho, que é o que dá certo segundo os especialistas em superstições, isso porque o danado fuça a comida e joga ela para frente, que nem a gente quer que aconteça com a nossa vida. Eu não tenho boas recordações de porcos, quando eu era pequena, um mordeu meu calcanhar, eu dei milho com agrotóxico para ele e ele morreu. Eu imaginei que tinha alguma coisa errada com um milho rosa, mas eu não pensava que ele ia morrer, ele comeu minha calcinha que eu deixei cair e não morreu...

9. Agora tem a superstição moderna, eu mesma que inventei, eu desejo para as pessoas que eu gosto tudo aquilo que eu quero que aconteça para mim, e vai tudo por sms, twitter, Orkut, Facebook, vale qualquer meio;

10. Eu sempre faço alguma mudança na minha vida, seguindo o conselho da minha musa inspiradora Clarice Lispector, e este eu repasso a você leitor porque ainda está em tempo: MUDE! Qualquer coisa, mas mude, é preciso experimentar, a vida é curta...

11. Eu já ia esquecendo, se estiver na praia, é claro que tem que pular as sete ondas e bater um papinho rápido com Iemanjá;

12. Esta última acredito que todo mundo faça, ano novo sem champagne não pode. Não precisa ser champagne de verdade, pode ser qualquer coisa borbulhante que estoure com bastante ruído quando aberto, isso porque é preciso estardalhaço, porque mesmo que seja apenas a troca de um dia para o outro, de repente, parece que há um novo horizonte pela frente. O ano novo é como a mão de Diadorin para Riobaldo em Grande Sertão: Veredas, é a nossa chance de amanhecermos a nossa aurora, pela primeira ou mais uma vez...

Neste ano, pela primeira vez, eu mesma produzi meu ano novo, para mim e meu amor, com jantar tailandês e todas as superstições cumpridas, adivinhem vocês qual dessas acima ele mais gostou... Felicidade e simplicidade até rimam, não deve ser à toa. Lustrando o clichê, que não deve ter se tornado clichê de graça também, quase sempre a felicidade está nas coisas simples, como compartilhar a sua vida com alguém.

Desejo no ano de 2011 muito bem para você que me lê!